Voto útil em Belo Horizonte foi bom para Fuad e melhor ainda para Bruno Engler

No último dia 6 de outubro de 2024, Belo Horizonte trouxe à tona um fenômeno recorrente nas disputas políticas: a onda do voto útil e seus impactos nas dinâmicas eleitorais. Projetei (imagem abaixo) — analisando todas as pesquisas sérias divulgadas publicamente — que a disputa se encaminharia para um equilíbrio entre Bruno Engler (PL), com 25,08%, Mauro Tramonte (Republicanos), com 24,24% e Fuad Noman (PSD), com 22,22%, com qualquer um dos três podendo ocupar qualquer uma das posições do pódio após o fim da apuração.

Ao abrir as urnas, Engler se consolidou na liderança com 34,38%, seguido de Fuad com 26,54%, e Tramonte, com 15,22%. A partir desses dados, é possível traçar algumas linhas interpretativas, e uma delas é justamente o impacto do voto útil em Belo Horizonte.

Considerando a margem de erro de 2,78%, minha previsão foi precisa em sete das dez candidaturas. No entanto, foram nas discrepâncias, fora dessa margem de erro, que emergiram os detalhes mais reveladores da dinâmica eleitoral que pretendo abordar nas próximas linhas.

Voto útil

O fenômeno do voto útil não é novo. Nos últimos anos essa tendência de migração de votos se tornou cada vez mais recorrente e intensa, com eleitores buscando um “candidato menos pior” já no primeiro turno. Há quatro ou oito anos a população votava no candidato mais alinhado aos seus ideais, e caso o candidato não fosse para o segundo turno, optava-se, aí sim, pelo voto “redução de danos”. Hoje temos um novo fenômeno que muitas vezes não é captado pelas pesquisas, o que poderia ampliar, inclusive, um debate sobre a metodologia atual dos institutos. Creio que no futuro teremos institutos utilizando, simultaneamente, a aplicação de formulários via internet, telefone e presencialmente, talvez podendo ainda fazer mapeamento de rede para pegar tendências de discussão, indo muito além do “sim ou não” e desvendando o sentimento por trás das respostas, e não as respostas em si.

Voto útil em BH

Na reta final da campanha na capital mineira, surgiu um movimento de eleitores de Duda Salabert (PDT) e Rogério Correia (PT) — inclusive com lideranças do PT aparecendo em eventos do Fuad — impulsionando o voto útil no atual prefeito. A lógica — embora não consensual — era simples: com Bruno Engler e Mauro Tramonte competindo cabeça a cabeça, era melhor evitar um suposto risco de um segundo turno entre dois candidatos que não representam valores progressistas. A questão do que é progressismo e se Fuad é ou não progressista poderia abrir um novo debate, mas não pretendo entrar nessa seara e manterei esse termo que abrange, de forma simplória, a centro-esquerda. Esse movimento de “negação”, focado mais em evitar um adversário do que em afirmar um projeto próprio, também reflete o que chamamos de “negação como fator mobilizador”, que abordaremos mais a frente.

Na véspera do primeiro turno, se a tentativa dos progressistas foi de criar um candidato para impedir um segundo turno com dois candidatos da direita, o efeito beneficiou Bruno Engler. Com a crescente intenção de votos em Fuad, houve uma migração de eleitores de Mauro Tramonte e Carlos Viana (Podemos) para o bolsonarista Bruno Engler (imagem abaixo). Isso explica o salto de 6,52% acima da nossa previsão para Engler e a queda significativa de Tramonte, que perdeu 6,24% em relação ao que projetei. Foi uma transferência direta de votos.

Como os dados acima mostram, houve uma transferência de votos (com uma diferença de 0,50%) de Tramonte e Viana para Engler e Gabriel (MDB). Engler, Tramonte e Viana foram justamente os três alvos principais do emedebista, que acabou fisgando até alguns votos da esquerda, visto que as cinco candidaturas perderam 4,83% dos votos e transferiram 4,32% para Fuad.

Futuramente pretendo fazer uma avaliação da comunicação das candidaturas de Belo Horizonte, mas a desidratação de Tramonte vale um adendo. A queda quase constante do apresentador expõe a fragilidade de uma campanha que, apesar de liderar as pesquisas quase que de ponta a ponta, falhou ao deixar Tramonte “exposto” nos debates. Liderando as intenções de voto, a sua campanha deveria ter evitado embates desnecessários que o tornaram um alvo fácil. Tramonte deveria ter se mantido longe da linha de fogo, mantendo sua linha de comunicação de que era o candidato do povo. No horário do debate a campanha do candidato deveria, inclusive, estar fazendo grandes ações populares com sua base mais fiel. Tarde demais.

A negação como fator mobilizador

Em 2018, após o movimento #elenão, Bolsonaro cresceu 4 pontos no Ibope e no Datafolha. Isso ocorreu porque a esquerda mostrou, para todos que a rejeitava, em quem votar. O eleitor que não vota de jeito nenhum na esquerda olha essas movimentações e pensa “se eles odeiam esse candidato, é com ele que eu vou”. É por isso que, muitas vezes, candidatos em cargos superiores não respondem candidatos em cargos inferiores, ou que líderes em pesquisas não fulanizam muito durante a campanha e focam em debater ideias e seus projetos. Ao indicar quem você odeia, você sinaliza para quem odeia você qual o caminho que eles devem seguir.

O sonho do voto útil para eleger Fuad pode se tornar um pesadelo para os progressistas. Fuad já vinha crescendo nas intenções de votos e conseguindo se apresentar como o prefeito fazedor de obras. O eleitorado olhava para as opções e preferia manter o voto seguro no senhor simpático, de suspensório que fez algumas entregas. Ao se aglutinar e definir o voto útil em Fuad, os progressistas mostraram para todo o campo conservador da capital a importância deles se unirem em torno de apenas um único nome que não fosse o prefeito. Esse campo, por sua vez, abandonou Tramonte e Viana e se juntou a Engler, como mostrei nas duas imagens.

Se mobilizar em torno de um não projeto, ao invés de afirmar um sim a um projeto constata a morte lenta e gradual da esquerda brasileira. Se em outro artigo eu debati que a esquerda abandonou termos como imperialismo, soberania, entre outros, agora assistimos ao fenômeno de abandono da própria palavra esquerda. Nasce o campo progressista e suas frentes amplas e amplíssimas.

Conclusão

Olhando hoje, a poucos dias da eleição, é claro que Fuad tem uma ligeira vantagem de se reeleger, o que não muda o fato de que possa ter uma avalanche bolsonarista até o domingo e virar esse quadro. Os não votantes estão reduzindo dia após dia e Engler vem crescendo nas pesquisas. Na Quaest, o candidato do PL já empata na margem de erro. A campanha do atual prefeito precisa trabalhar até o último eleitor de BH confirmar o seu voto

Independente do resultado, Engler sairá muito maior do que entrou na disputa, e já se coloca como um candidato natural ao governo ou Senado. Mas reforço que ele ainda segue vivo e pode ser eleito prefeito da capital mineira antes de completar 28 anos de idade.

Assim como foi no primeiro turno, BH acordará no próximo dia 27 com mais dúvidas do que certezas.

Rodolpho Dalmo

Jornalista, estrategista e consultor político com 10 anos de experiência. Trabalhei em mais de 100 campanhas, 5 mandatos e 5 entidades partidárias e de classe. Ajudei a eleger um Deputado Estadual por Minas Gerais, um Vereador e três Conselheiros Tutelares de Belo Horizonte.

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